A tua terra
so te é dada
quando a palavra imerge
no impronunciável
Não procures a lâmpada
não procures o nome
O teu lugar
só é teu
quando ele é a morada
do que não tem lugar
António Ramos Rosa, A intacta ferida.
sábado, 21 de julho de 2018
terça-feira, 17 de julho de 2018
O que está em torno de nós ou que não está
e o que em nós procura o equilíbrio
para que as pálpebras respirem sobre os
destroços
é a matéria incerta do poema
O que talvez não é e não tem voz
apenas se pressente no ar imediato
com a concavidade de um barco sem costado
O que escrevemos é este roçar sem corpo
vazio e nu que não vemos e que talvez não seja
mais do que a forma que damos à nossa sede
essencial
António Ramos Rosa, A intacta ferida.
e o que em nós procura o equilíbrio
para que as pálpebras respirem sobre os
destroços
é a matéria incerta do poema
O que talvez não é e não tem voz
apenas se pressente no ar imediato
com a concavidade de um barco sem costado
O que escrevemos é este roçar sem corpo
vazio e nu que não vemos e que talvez não seja
mais do que a forma que damos à nossa sede
essencial
António Ramos Rosa, A intacta ferida.
quinta-feira, 12 de julho de 2018
Sísifo
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga, Diário XIII, Coimbra.
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga, Diário XIII, Coimbra.
Os olhos do poeta
O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as
cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas
que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há
entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da
miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguede-
lhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias
vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos
na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se
falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com
as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gelos
dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que
não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando
como contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoa-
çando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amal-
diçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam
e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um
promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas
as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho
nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite
de angústia que pesa no mundo.
Manuel da Fonseca, Poemas Completos, Forja.
cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas
que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há
entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da
miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguede-
lhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias
vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos
na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se
falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com
as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gelos
dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que
não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando
como contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoa-
çando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amal-
diçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam
e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um
promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas
as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho
nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite
de angústia que pesa no mundo.
Manuel da Fonseca, Poemas Completos, Forja.
quarta-feira, 11 de julho de 2018
O anel quebrado
A vida não tem portas nem janelas...
Por isso vos enganais no jogo vão
de lhe querer dar limites.
Ouve, ouve em ti o grande apelo
da tua própria vida que resiste
ao voto de a fechares num já previsto
anel de ininterruptos regressos.
Aniquila a vã presença
na resignação.
Cala essa voz cobarde que te pede
só descanso.
Vai por aí fora, e deixa vir
sobre ti o vendaval do inesperado!
Deixa gritar as vozes da quimera,
deixa clamar o apelo da loucura!
E vai! Vai até onde
a tua força vá. Segue-te,
não sigas as insinuações da cobardia.
És sangue e nervos e vontade e audácia!
Cumpre-te.
Vai como as nuvens ou a vaga,
como a seta ou o rio ou a chama...
mas vai contigo!
Adolfo Casais Monteiro, Sempre e Sem Fim (1937).
Por isso vos enganais no jogo vão
de lhe querer dar limites.
Ouve, ouve em ti o grande apelo
da tua própria vida que resiste
ao voto de a fechares num já previsto
anel de ininterruptos regressos.
Aniquila a vã presença
na resignação.
Cala essa voz cobarde que te pede
só descanso.
Vai por aí fora, e deixa vir
sobre ti o vendaval do inesperado!
Deixa gritar as vozes da quimera,
deixa clamar o apelo da loucura!
E vai! Vai até onde
a tua força vá. Segue-te,
não sigas as insinuações da cobardia.
És sangue e nervos e vontade e audácia!
Cumpre-te.
Vai como as nuvens ou a vaga,
como a seta ou o rio ou a chama...
mas vai contigo!
Adolfo Casais Monteiro, Sempre e Sem Fim (1937).
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