O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as
cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas
que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há
entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da
miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguede-
lhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias
vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos
na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se
falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com
as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gelos
dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que
não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando
como contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoa-
çando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amal-
diçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam
e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um
promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas
as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho
nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite
de angústia que pesa no mundo.
Manuel da Fonseca,
Poemas Completos, Forja.